Introdução
O Aquecimento Global é cada vez mais um processo analisado à escala regional pois induz cenários regionais diferenciados, devido a factores próprios a cada região como, por exemplo, diferentes eventos climáticos extremos.
O presente projecto tem os seus alicerces nesta necessidade de compreender a complexa interacção entre clima global - clima regional, através da recolha de informação inédita sobre as condições climáticas do passado no Sudoeste da Península Ibérica - Algarve. Região que, embora inserida numa zona de clima semi-árido do tipo mediterrânico, recebe simultaneamente a influência de várias situações climáticas.
A reconstituição paleoclimática no Algarve só foi possível até aos últimos 40 000 anos, enquanto que no sul de Espanha, com base em espeleotemas, foi possível atingir os 250 000. Este facto resulta, em parte, da ausência de registo sedimentar cobrindo longos intervalos temporais. O recurso ao estudo de espeleotemas na região algarvia, que se caracteriza por uma morfologia cársica bem desenvolvida nas formações carbonatadas onde muitas das grutas exibem espeleotemas, permitirá ultrapassar este constrangimento temporal e obter séries temporais mais longas indispensáveis à validação dos modelos de projecção climática. O limite expectável é o Último Interglacial - Eemiano (120 000 anos), referenciado como um evento climático mais quente que o presente e que é utilizado na modelação dos futuros cenários climáticos.
Os espeleotemas fornecem excelentes informações sobre as alterações climáticas nomeadamente porque,
- podem ser datados através do desequilíbrio das séries de U-Th até idades muito mais antigas do que as possíveis de atingir pelas datações 14C,
- possuem fases de crescimento facilmente identificáveis tornando possível o desenvolvimento de uma cronologia independente, e
- a sua natureza química é indicadora de alguns parâmetros ambientais, como por exemplo a temperatura, o regime pluviométrico e pedogénese, que podem ser estudados com base na análise de isótopos estáveis na fase carbonatada (D18O, D13C, D47).
De acordo com o exposto, o presente projecto pretende obter pela primeira vez no Algarve, e em Portugal,
- um controle cronológico preciso das variações de 1ª ordem do D18O registadas durante a precipitação do carbonato (Objectivo 1), as variações associadas às alterações do padrão da circulação atmosférica, bem como das alterações da origem da evaporação da água do oceano;
- variações da condição do solo com base nas variações do D13C (Objectivo 2) associadas às alterações na proporção entre as plantas C3 e C4 características do clima mediterrânico da área de estudo;
- temperaturas prevalecentes aquando a precipitação do carbonato nas fases de crescimento das estalagmites, através da paleotermometria D47 - isopotólogos de massa 47 do CO2, "isótopo aglutinado" (Objectivo 3), e assim determinar a temperatura média anual atmosférica desde o Último Interglacial.
Os referidos objectivos só poderão ser atingidos através do sólido conhecimento do ambiente actual no interior das grutas incluindo a sua distribuição geográfica: génese, condições físicas da atmosfera com a qual interagem, características da água que goteja na gruta e, obviamente, um excelente controlo da cronologia das estalagmites analisadas.
A primeira destas duas etapas fundamentais (conhecimento do subsolo), será efectuada pela equipa sedeada na Universidade do Algarve, com recurso a Sistemas de Informação Geográfica e a estudos de hidrologia, em estreita colaboração com a Associação de Espeleologia a qual possui o conhecimento de campo e os meios de acesso às grutas. A segunda etapa (cronologia) tirará vantagem da comprovada experiência e conhecimento da equipa do GEOTOP-UQAM-McGill na datação por U-Th, e das competências desenvolvidas no Centro de Investigação CIMA no tratamento de imagem, para a reconstituição do crescimento das camadas dos espeleotemas a partir da sua contagem e análise automática. Finalmente, a composição isotópica dos espeleotemas será analisada em dois laboratórios complementares, designadamente no GEOTOP-UQAM-McGill Research Centre (Canadá) e no Institute of Materials'Science (Grécia).